segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Se não vai a bem, vai a mal

A Irlanda, o único país que ousou pôr em causa a marcha triunfal da aprovação do Tratado de Lisboa, está “sob uma pressão cada vez maior dos seus pares da União Europeia para proceder rapidamente à ratificação do Tratado”, conta o Público de hoje (o artigo não está acessível no site do jornal, mas está disponível no blog da autora).

Agora, a genialidade, a raiar a chico-espertice, consiste em não referendar novamente o Tratado, mas sim a Constituição do país com as alterações que supostamente garantirão que os receios que motivaram o ‘Não’ estão agora acautelados. E, já agora, aproveita-se e acrescenta-se uma pequena modificação do texto fundamental para que deixe de ser obrigatória a ratificação por referendo de futuros tratados europeus.

“Por que razão é que as pessoas votariam contra uma Constituição que consagrasse todas as garantias pretendidas?”, disse ao jornal um dos autores da proposta. Certamente a esfregar as mãos de contente, embora essa parte não se veja (possível resposta: porque possivelmente se dariam conta da artimanha, mas não lhe digam nada).

O que só mostra que, nestas coisas de vontade popular, a UE tem uma visão peculiar das coisas: se as pessoas estão contra é porque "não perceberam" a bondade das propostas; se continuarem a ser contra depois de lhes ter sido tudo "explicado", inventam-se formas de repetir as votações até que acabem por as aprovar, eventualmente com outro nome.

2 comentários:

Isabel Arriaga e Cunha disse...

Não posso deixar de comentar este comentário bem a puxar para o populismo. Se os irlandeses votaram contra o Tratado porque tinham medo de perder a neutralidade militar e a soberania fiscal, ou que a UE lhes impusesse o aborto ou uma lei do divórcio mais liberal, qual é o problema se essas questões ficarem acauteladas na Constituição? Não chega para resolver os receios expressos? Qual é a diferença se essas questões forem postas à votação anexas ao Tratado ou dentro da Constituição? Isto, claro, se partirmos do princípio que os irlandeses votaram contra por causa destas questões. Se, em contrapartida, o voto negativo foi contra a UE, a questão é totalmente diferente, e nesse caso o que os irlandeses terão de decidir é se querem continuar ou não na UE. O que eles não têm é o direito de impor a sua escolha aos outros países.

Anónimo disse...

Gosto do início: colar o rótulo de populista ao que se comenta, mesmo que depois não se explique porquê.

Adiante. A ideia em causa não passa de um estratagema, é por isso que tresanda a esperteza saloia. E é por isso que, se for avante, dificilmente terá um final feliz.

Se a UE é o projecto solidário e conjunto que apregoa, o mínimo a fazer neste caso é o mesmo que se fez quando outros países disseram Não a outros Tratados: negociar opt-outs, como a Dinamarca, ou arranjar um Tratado novo, como se fez depois de a França e a Holanda votarem Não à Constituição.

Mas como o anterior mostra, trata-se de um problema de dois pesos e duas medidas, sendo que a medida é a dimensão do país que se porta mal.

Como a Irlanda risca pouco e demonstrou ser mal agradecida, vamos lá arranjar a solução mais humilhante possível.

E depois há a ideia brilhante, vulgo chantagem, de dizer que os irlandeses devem referendar se querem ou não prosseguir na UE. Totalmente de acordo, desde que se efectuem referendos semelhantes em todos os países.