quarta-feira, 6 de maio de 2009

A terra prometida de Ana Sofia Fonseca


É um retrato fiel - quase fidelíssimo - da vida dos portugueses em Angola aquele que a jornalista Ana Sofia Fonseca publica com a chancela da editora Esfera dos Livros. É notável o trabalho de recolha e construção que a jornalista se dedicou para conseguir situar o leitor por terras de Angola. Pelas memórias e olhos de quem lá viveu, Ana Sofia Fonseca descreve as paisagens, os lugares, as ruas, as roupas, detalhes de expressões e de linguagem, pormenores de encontros, num documentário escrito. Mas nem sequer faltam algumas imagens, de fotos cedidas pelos entrevistados.

É o retrato fiel que só não chega a ser fidelíssimo, porque Ana Sofia Fonseca optou por retratar Angola que deve provocar muitas nostalgias aos...brancos. É uma opção tão válida como qualquer outra.

Por isso, ficou de fora a outra Angola feita por esses mesmos que aceitaram recuperar memórias para o livro. Angola dos pretos contratados, pagos miseravelmente e com porrada; dos pretos que só tinham direito a sentar-se nas últimas filas dos autocarros e dos bancos das escolas (quando iam); dos pretos que só entravam em locais para os limpar; dos escravos nas roças de café e de algodão e nas minas; das pretas que tratavam dos meninos brancos e a serem pagas com géneros; das pretas assediadas por brancos, algumas violadas; dos pretos que eram atirados para os campos de concentração do Namibe; e tantos, tantos outros.

Mas, apesar disso, "Angola-terra prometida" merece mesmo ser lido. A consulta de fontes foi, certamente, um trabalho de fôlego. E o livro está muito bem escrito e, nos tempos que correm, isso é um luxo.

7 comentários:

O soba já sabe quem eu sou disse...

Agora os pretos limpam o cú aos negros milionários e aos chineses. Contextualiza pá. cada coisa no seu tempo na sua história. na África do Suk era o que era e ninguém foi corrido, até votam e ficaram com os bens. Nois EUA nessa altura o clima era tão bom que se teve que fazer uma liezeca de direitos cívicos.
Tá bem, tá, tu e os teus ódiozinhos de infancia, já passou muito tempo, o Savimbi já morreu, e quem matou 1 milhão e meio de angolanos não foram os portugueses. Ou também foram?
E hoje, quem é racista? Espero pelo dia em que a África negra eleja livremente um presidente branco...

Anónimo disse...

Vou tentar ler o livro - o teu post deixou-me curioso.

As minhas recordações de Angola são simultaneamente belas e demasiado difusas (a idade não ajudava) e todas da Angola branca de que tu falas.

E ao soba do post anterior, só lhe digo que o milhão e meio de mortos são TODOS da responsabilidade do colonialismo português e do imperialismo - e NENHUM dos "portugueses".

Os "portugueses" e os "angolanos" são dois povos irmanados pela história, vítimas dos mesmos algozes e irmãos de tantos combates.

Um Abraço,

MG

spruitje disse...

Belo post, Emídio. Fica a vontade de conhecer o livro. Para quando a invenção de um sistema de detecção e eliminação automática de comentários básicos?

Emídio Fernando disse...

MG e Spruitje: o livro é simplesmente um extraordinário trabalho de reportagem, com belíssimas reconstituições dessa Angola encantada (para os brancos). Como escrevi, foi uma opção dela. É válida e honesta e que a autora esclarece nas primeiras páginas. Não aparece a verdadeira Angola desses tempos, mas acredito que a Ana Sofia Fonseca, um dia, também se enfiará por esses trabalhos com o mesmo profissionalismo que fez este. Eu recomendo o livro a toda a gente que encontrar. E reforço essa recomendação aqui.

Rui disse...

Seria bom que esses fantasmas do pós 25 de Abril desaparecessem de vez. Não querendo pretender que Angola daqueles tempos seria um paraíso para todos, creio que está longe de ser aquilo que a esquerda caviar portuguesa ainda teima em defender. De resto, Angola, daqueles tempos, mesmo para muitos brancos, não era o tal paraíso que tanto aqui se apregoa. Era, de uma forma geral, preciso trabalhar muito para ter uma vida digna. Muito mesmo. Claro que havia injustiças. Como cá, actualmente. Como lá, actualmente. A questão que se coloca (cá e lá, antes e agora) tem a ver com a educação, a literacia, e o sucesso na vida como consequência dessa literacia.
Eu tinha 11 anos quando de lá saí, mas ainda recordo alguma coisa.

"Angola dos pretos contratados, pagos miseravelmente e com porrada;"
O meu pai na altura era funcionário público em Luanda. O chefe dele, licenciado em direito, era preto. Um bom e competente homam.

"dos pretos que só tinham direito a sentar-se nas últimas filas dos autocarros e dos bancos das escolas (quando iam);"
Lembro-me de andar nos maximbombos (autocarros) em Luanda. Nunca vi tal coisa. É falso o que disse.
Nas escolas por onde passei, (colégio Dom Duarte .... andavam lá pretos, sim! e ciclo Jão Crisóstomo) os pretos sentavam-se perfeitamente misturados com brancos. Só posso concluir que o racismo está em quem escreve e acredita em tal coisa.

"dos pretos que só entravam em locais para os limpar;"
nem me merece qualquer comentário.

Emídio Fernando disse...

Pois, Rui. Saiu de lá com 11 anos, e deve ter tido um outra experiência. Mas isso não o impede de ler. Calculo eu que não existia na altura, mas sabe que o Afonso Henriques foi rei de Portugal, certo? Mas se não se lembra, terei muito gosto em divulgar literatura: a começar pela editada pelo Estado português a começar pela lei do assimilado. Tente saber o que foi os tristes campos do Namibe. Pergunte ao seu pai quem estavam nas cadeias de São Paulo. Tente saber quem trabalhava nas roças de café e de algodão. Olhe, e leia. Leia, por favor!
O problema é quando alguém quer "pintar" a história. Ou como gostaria o "soba já sabe..." que não se fale destas coisas. Como se os alemães agora estivessem impedidos de falar no Holocausto. Os portugueses devem apenas assumir aquilo que aconteceu: foram colonos, ponto. E não há colonialismo bom, nem brando. Foi cruel, violento. E não se pode comparar com os dias de hoje. Para isso, cito-lhe Samora Machel, depois da Independência: "os pretos hoje entram na piscina para tomar banho e não só para a limpar".
Mas, Rui, renovo o convite: leia. Coloque aqui o seu mail e envio-lhe 500 ou mais sugestões para saber a realidade do que foi aquele país.

QuaseAfricano disse...

Resposta a Emídio Fernandes

"Pintar" a História. É uma questão pertinente que você teve a lucidez de levantar. Eu sei quem foi D. Afonso Henriques e assumo tudo o que a história dele diz incluindo ser-lhe perfeitamente natural atirar a mãe da torre mais alta do castelo. Como o soba disse, é preciso contextualizar.Você deve conhecer, também, Fernão Lopes ? Era o historiador que dizia que a imparcialidade na historiografia era um mito. Mas esse, ao menos, testemunhou alguns dos acontecimentos que relatou. De resto, a autora do tal livro de historiadora não tem nada. Comprei--o e não há qualquer referência a eventuais raízes angolanas da autora como era suposto constar.
Só mais uma coisa: para responder ao Anónimo, o milhão e meio de mortos não foi feito pelo colonialismo português nem de imperialismo mas únicamente pelos Capitães de Abril, tão festejados na ex-metrópole e minha terra natal.