segunda-feira, 12 de abril de 2010

Retrato fiel do colonialismo

Em 1913, António Brandão de Melo, oficial do exército português, relatava as peripécias dos portugueses em Angola, num notável diário de mais de 500 páginas. Num dos dias, a 24 de Setembro, Brandão de Melo anotava no seu diário este delicioso pedaço de prosa que mostra, nu e cru, o colonialismo português:

"Hoje ao jantar o meu hospedeiro Firmino Mendes Ribeiro, bom homem e prestável, fartou-se de contar histórias de comadres visinhas. Aqui cada branco é casado à moda indígena com prêtas e, tal como certas brancas, originam mexericos e têm bulhas umas com as outras por motivos fúteis. Os patrões maridos tomam o partido das esposas negras e daí resultam histórias, historietas e vingançansinhas, quando não originam mesmo cenas desagradáveis e cortes de relações entre os brancos.
Esta terra é a terra dos mulatinhos. A par da única creança branca, por sinal bem galantinha, há uns 40 mulatinhos e mulatinhas. Só o meu hóspede, declarou-m'o ele, já têve 21 mulatinhos dos quais, felizmente para ele, só 2 estão vivos e a esses trata-os como verdadeiro pai afectuoso. Isto é típico do colono português. As mães continuam a dormir numa esteira no chão ao lado da cama do patrão e a vestir panos, mas os filhos têm a sua caminha de branco e vestem à europeia".*

O pedaço deste diário foi retirado da narrativa de uma épica viagem que levou Brandão de Melo a percorrer, a pé, 1893 quilómetros pelo interior de Angola. Toda a viagem está minuciosamente descrita e documentada com fotos: as paisagens, os "creados", a explicação das plantas e dos animais, as caçadas, a exposição topográfica e geográfica, os relatos das aventuras e peripécias, os negócios com os sobas e as guerras que enfrentou.
O diário (ainda) não está publicado e foi-me mostrado numa casa quinhentista, pertencente à família de Brandão de Melo. Por entre retratos de D. Miguel, D. Carlos e mais umas preciosidades monárquicas, está lá o espólio do oficial português que ainda contém umas espantosas reportagens fotográficas por terras de Angola, entre 1907 a 1939. Um tesouro, portanto, para a História de Angola.

*no original, respeitada a grafia

2 comentários:

Anónimo disse...

O ABdeM tinha um creado que servia à mesa com a a condecoração que lhe tinha sido atribuida pelo governo britânico.
A mulher dele era uma grande caçadora de caça grossa.
Gente com graça, venha o diário!

Emídio Fernando disse...

Caro anónimo, conhece o Brandão de Melo? Ouviu falar dele? Tem alguma referência que lhe diga respeito? Se quiser partilhar comigo alguma informação, fico, desde já, agradecido. Pode contactar-me para o meu mail: ef.emidiofernando@gmail.com