Em 1913, António Brandão de Melo, oficial do exército português, relatava as peripécias dos portugueses em Angola, num notável diário de mais de 500 páginas. Num dos dias, a 24 de Setembro, Brandão de Melo anotava no seu diário este delicioso pedaço de prosa que mostra, nu e cru, o colonialismo português:
"Hoje ao jantar o meu hospedeiro Firmino Mendes Ribeiro, bom homem e prestável, fartou-se de contar histórias de comadres visinhas. Aqui cada branco é casado à moda indígena com prêtas e, tal como certas brancas, originam mexericos e têm bulhas umas com as outras por motivos fúteis. Os patrões maridos tomam o partido das esposas negras e daí resultam histórias, historietas e vingançansinhas, quando não originam mesmo cenas desagradáveis e cortes de relações entre os brancos.
Esta terra é a terra dos mulatinhos. A par da única creança branca, por sinal bem galantinha, há uns 40 mulatinhos e mulatinhas. Só o meu hóspede, declarou-m'o ele, já têve 21 mulatinhos dos quais, felizmente para ele, só 2 estão vivos e a esses trata-os como verdadeiro pai afectuoso. Isto é típico do colono português. As mães continuam a dormir numa esteira no chão ao lado da cama do patrão e a vestir panos, mas os filhos têm a sua caminha de branco e vestem à europeia".*
O pedaço deste diário foi retirado da narrativa de uma épica viagem que levou Brandão de Melo a percorrer, a pé, 1893 quilómetros pelo interior de Angola. Toda a viagem está minuciosamente descrita e documentada com fotos: as paisagens, os "creados", a explicação das plantas e dos animais, as caçadas, a exposição topográfica e geográfica, os relatos das aventuras e peripécias, os negócios com os sobas e as guerras que enfrentou.
O diário (ainda) não está publicado e foi-me mostrado numa casa quinhentista, pertencente à família de Brandão de Melo. Por entre retratos de D. Miguel, D. Carlos e mais umas preciosidades monárquicas, está lá o espólio do oficial português que ainda contém umas espantosas reportagens fotográficas por terras de Angola, entre 1907 a 1939. Um tesouro, portanto, para a História de Angola.
*no original, respeitada a grafia
segunda-feira, 12 de abril de 2010
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2 comentários:
O ABdeM tinha um creado que servia à mesa com a a condecoração que lhe tinha sido atribuida pelo governo britânico.
A mulher dele era uma grande caçadora de caça grossa.
Gente com graça, venha o diário!
Caro anónimo, conhece o Brandão de Melo? Ouviu falar dele? Tem alguma referência que lhe diga respeito? Se quiser partilhar comigo alguma informação, fico, desde já, agradecido. Pode contactar-me para o meu mail: ef.emidiofernando@gmail.com
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